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Quarto montessoriano: muito mais do que um colchão no chão!

Quase todos os dias, mães e pais questionam-me sobre o que parece ser uma nova moda, que é o quarto montessoriano. Através de uma pesquisa rápida (e basta que seja de apenas imagens), é muito fácil chegar à ideia de que consiste em colocar um colchão no chão e deixar os brinquedos sempre acessíveis ou redimensionar a mobília à escala liliputiana. E o objectivo intrínseco torna-se óbvio: minimizar as barreiras e permitir que a criança explore livremente o que a rodeia.

Era isso mesmo que Maria Montessori, a mentora desta visão pedagógica, defendia. Na prática, o quarto montessoriano vai muito além da cama e dos brinquedos. Os pais devem oferecer as ferramentas do dia-a-dia, para que a criança crie as suas próprias brincadeiras e rotinas, ao seu ritmo. Isto significa que até um simples pente deve estar ao alcance dos mais pequenos; o candeeiro de cabeceira; a roupa (ainda que não seja toda, para que comece desde cedo a perceber que deve ser arrumada); uma vassoura ou um pano de limpeza. Este método serve para captar as chamadas “janelas de oportunidade”, ou seja, quando a criança está disposta e disponível para explorar uma nova competência, deve ter as ferramentas à mão, porque nem sempre os pais conseguem perceber ou a criança pode não saber pedir da melhor forma aquilo de quer.

Pegando no exemplo da vassoura: um bebé de 2 anos vê o pai a varrer o chão e agarra na vassoura porque quer reproduzir o que viu, porque se sente capaz de o fazer. O pai nega-lhe o acesso à vassoura, porque é pesada demais, porque se pode magoar. Em condições normais, o bebé chora, talvez até encete uma birra mas, 2 minutos depois o episódio fica sanado e o bebé não pensa mais naquilo. Em condições montessorianas, o pai dá ao bebé uma vassoura mais pequena (daquelas com que se varrem as migalhas da mesa, por exemplo) e os dois varrem o chão (não esperem perfeição!). A partir desse momento, quando o bebé vir migalhas no chão, vai buscar a sua vassourinha e vai varrê-las. Adquiriu uma nova competência, na hora em que se sentia realmente entusiasmado com ela, em vez de lhe ser imposta uns anos mais tarde, como obrigação.

O quarto montessoriano baseia-se neste conceito de adaptar mobília e objectos à escala e às competências/desenvolvimento da criança. O colchão no chão ou uma cama baixa tem por objectivo permitir aos mais pequenos sair ou entrar nela quando lhes apetecer.

Regra geral, os pais despertam para esta filosofia quando o bebé chega aos dois anos (mais mês menos mês), o que coincide com a transição da cama de grades para uma cama mais “adulta”. Vermos os pequenitos (ainda com fraldas!) a repetirem pequenos gestos nossos, do dia-a-dia, mostrando vontade de autonomia e de conquista, motiva-nos a dar-lhes cada vez mais os meios para que se tornem mais e mais independentes. No entanto, se eu quisesse ser “mais papista que o Papa”, contava uma situação que se passou precisamente com Maria Montessori:

 

Certo dia, uma senhora abordou-a: “A minha filha está a começar a dizer as primeiras palavras e eu queria que me sugerisse formas de incentivar o desenvolvimento da linguagem”. Maria perguntou a idade da bebé, ao que a senhora respondeu: “23 meses”. Perante a informação, Maria Montessori apressou-se a retorquir: “É bom que se apresse, que já perdeu 32 meses!”.

 

Não, os 32 meses não são um erro mas sim o resultado de 23 + 9 meses de gestação. Montessori defendia a comunicação entre pais e filhos desde a gravidez e, por isso, a preocupação com o desenvolvimento da linguagem deve começar logo aí. Consequentemente, o quarto montessoriano deveria ser preparado não aos 2 anos mas para os primeiros dias de vida do bebé. E é neste ponto que também costumam surgir muitas dúvidas. A mais imediata é: “e o bebé dorme logo sozinho no seu quarto, com dias de vida?”. Antes de responder a esta questão, quero frisar que, lá porque só quando o vosso filho fez 2 anos é que descobriram Montessori não significa que já “perderam o comboio”! Vão sempre a tempo, porque esta filosofia adapta-se a qualquer idade.

 

Voltando à pergunta anterior, aqui é bom que não haja dúvidas, nem zonas cinzentas: o bebé deve sempre dormir acompanhado nas primeiras semanas de vida, apenas se ressalvando, obviamente, alguma circunstância relacionada com o seu estado de saúde. Nunca é demais frisar a importância absolutamente vital do contacto humano para um bebé: tão importante quanto o leite e o sono. E o quarto onde o bebé dorme com os pais pode muito bem ser adaptado à filosofia montessoriana. Como? Basta garantir as condições de segurança durante o sono, seja em co-sleeping ou no berço. A filosofia montessoriana não é “anti-berço”; apenas se recomenda que o berço não tenha limites demasiado altos, que não permitam ao bebé ver o que o rodeia. Como esta condição não deixa os pais muito seguros, porque não sabem quando é que o bebé vai decidir-se a começar a rolar, acabam por praticar o co-sleeping ou adiar a adaptação da cama. A solução pode até passar por colocar o colchão dos pais no chão e dormir toda a família da mesma forma (não aconselhável aos pais “arrumadinhos”; vão acordar todos em desalinho, ou seja, é mais engraçado nas fotos ou na casa dos outros!).
“E é só isto?”, perguntam. Vejamos, nas primeiras semanas, o tempo em que o bebé está desperto é praticamente todo ocupado com a amamentação e a higiene, certo? Não tem autonomia para se deslocar sozinho e o seu mundo consiste em tudo o que o rodeia num raio de 30 cm, por isso sim, basta cuidar muito bem desse raio de 30 cm à sua volta!

Outra questão frequente dos pais: “essa independência e autonomia não são contrárias aos defensores da teoria do apego, aos pais empenhados em criar um bom vínculo com os seus filhos?”. Bem, estimular a autonomia de um bebé, como preconizam os conceitos montessorianos, não é deixá-lo sozinho num quarto, para que explore o mundo sem apoio ou supervisão. A verdadeira chave da visão de Maria Montessori é a empatia com a criança; o procurar ver o mundo com os seus pequenos olhos, brilhantes e curiosos; é deixar que a criança erre (sem pôr em causa a sua segurança, claro está) e não acabar um gesto que ela começa, deixá-la ir até ao fim; é dar-lhe a oportunidade e o espaço de tentar e conseguir o que quer, seja à primeira ou à quinquagésima tentativa; é deixá-la ser curiosa (e não ter de lhe dizer repetidas vezes “não mexe”). Isso não é desapego, nunca foi nem nunca será, porque o pais devem oferecer todo o apoio possível, sempre que a criança peça e precise. Por tudo isto, Montessori não se opõe à teoria do apego. Quanto muito, complementam-se.

 

O quarto montessoriano não é uma moda momentânea. A filosofia montessoriana tem sido adaptada a escolas e jardins de infância de todo o mundo, desde o pós-guerra (II Guerra Mundial); é mais do que um estilo de parentalidade, que um método pedagógico, que uma teoria sociológica e antropológica. Porque é que a enalteço desta forma? Porque é verdadeiramente democrática e respeitosa e sobre ela vale a pena saber um pouco mais.

Nas próximas semanas, vou abordar os principais desafios que um quarto montessoriano pode apresentar (vejam aqui e aqui). Aproveitem para deixar aqui as vossas questões e também para partilhar os vossos testemunhos montessorianos!


Fontes das imagens:

Figura 1- http://www.decopeques.com/ideas-originales-dormitorio-infantil
Figura 2- http://nduoma.com/2015/02/12/applying-montessori-from-birth-month-4
Figura 3- http://www.apartmenttherapy.com/a-gallery-of-childrens-floor-beds-195779
Figura 4- http://www.apartmenttherapy.com/finnians-montessori-room-82623